O Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu medida cautelar suspendendo a expansão das instituições municipais de ensino superior que atuam fora do município e mediante cobrança de mensalidades. A decisão foi concedida no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1247, protocolada pela Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior (AMIES).
No julgamento, realizado em sessão virtual, os ministros mantiveram a liminar proferida pelo relator, o ministro Flávio Dino, que vedou a criação, autorização e reconhecimento de novos cursos e/ou campi fora da sede do município de origem. Para as instituições municipais criadas após 1988, segue proibida a cobrança de mensalidades, em respeito ao princípio da gratuidade do ensino público.
No entanto, em sede de Embargos de Declaração, e com “a finalidade de evitar danos irreparáveis ao sistema educacional”, o ministro autorizou, temporariamente, novas matrículas em cursos e campi já existentes e em funcionamento, desde que vinculados a instituições criadas antes da Constituição de 1988 – situação amparada pela exceção prevista no artigo 242 da Carta Magna.
O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Nunes Marques , Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. Já o ministro Cristiano Zanin acompanhou o relator com ressalvas. Para ele, é importante explicitar que a autorização para a cobrança de mensalidade “alcança aquelas instituições de ensino que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos”. O ministros André Mendonça acompanhou a ressalva.
A decisão do plenário será mantida até o julgamento do mérito da ação, com data ainda a ser agendada pela Corte.
Atuação inconstitucional e ilegal
A ação impetrada pela AMIES destaca que a atuação de algumas IES municipais tem contrariado diretamente preceitos fundamentais da Constituição Federal, como a gratuidade do ensino público, a competência privativa da União para legislar sobre educação e os critérios de autorização e avaliação de qualidade dos cursos, além de comprometerem a coordenação nacional da formação médica vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Para a AMIES, o que se observa é a consolidação de um modelo de atuação híbrido e irregular, no qual instituições públicas municipais agem como se fossem privadas: cobram mensalidades, expandem a oferta para outros territórios e não seguem as normas do sistema federal de ensino, configurando violação direta à jurisprudência do próprio STF. Essas IES municipais, ao se beneficiarem de um regime tributário e regulatório diferenciado, acabam por praticar concorrência desleal com as instituições privadas legalmente submetidas ao sistema federal. Além disso, essas instituições atuam em desconformidade com a Constituição Federal (em diversos artigos); a Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional); a Lei 12.871/2013 (Lei do Mais Médicos); e o Decreto 9.235/2017, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das IES e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema federal de ensino.
A situação dos cursos de medicina é especialmente preocupante, já que muitos foram criados sem análise do Ministério da Educação ou do Ministério da Saúde, além de estarem em descompasso com as exigências do Sistema Federal de Ensino e da Lei do Mais Médicos, notadamente quanto à disponibilidade de leitos SUS e de equipamentos públicos de saúde suficientes e adequados para os campos de prática dos alunos.
Muitos cursos foram criados apenas por decisão administrativa das instituições municipais, chancelada por Conselhos Estaduais de Educação, sem análise do MEC ou do Ministério da Saúde. A ordenação da formação médica do país é tema que extrapola a competência dos entes municipais e estaduais e está estabelecida em lei federal dada sua importância. As IES privadas, por exemplo, assumem contrapartidas concretas em relação ao SUS (como reformas de unidades de saúde, aquisição de equipamentos hospitalares e ampliação de serviços médicos) e são avaliadas periodicamente pelo MEC quanto à qualidade do ensino, infraestrutura e resultados acadêmicos. Já as municipais escapam a esse controle.
“O objetivo principal da nossa ação é corrigir essas irregularidades estruturais que comprometem a qualidade da educação superior e a formação de profissionais, além de afirmar a competência do Ministério da Educação para autorizar cursos e credenciar instituições que atuam como se privadas fossem”, explicou Esmeraldo Malheiros, consultor jurídico da AMIES e advogado na Ação. “Mais do que uma questão institucional, estamos mirando na qualidade. Precisamos proteger o direito dos estudantes, que devem receber ensino de qualidade, e da sociedade, que precisa de médicos e profissionais da saúde capacitados para o seu exercício profissional”, acrescentou a secretária-executiva da AMIES, Priscila Planelis.
Considerações do MEC
Em manifestação encaminhada ao STF, a Consultoria Jurídica do Ministério da Educação (Conjur/MEC) reconheceu pontos centrais defendidos na Ação e fortaleceu a posição da AMIES no processo, apontando para o abuso de direito e distorção da finalidade pública das IES municipais. “Um dos indícios de abuso de direito na prática mencionada é que sendo a instituição vinculada a um município, a prestação de serviços públicos deveria restringir-se ao território a que está vinculada. Questiona-se: qual o interesse público municipal de uma instituição de determinado município em ofertar cursos em outra cidade ou, como mencionado, em outra unidade federativa?”, argumentou o MEC.
Ao acionar o STF, a AMIES reforça seu compromisso com a legalidade, a qualidade da formação médica e a isonomia regulatória no ensino superior brasileiro. “A AMIES aguardará a apreciação do mérito pelo Supremo, confiando na atuação da Corte para restabelecer a segurança jurídica, o respeito à Constituição e a equidade no setor da educação superior”, salientou a secretária-executiva da AMIES, Priscila Planelis.
Foto: Luiz Silveira/STF
