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Em entrevista, professor Fernando Passos reflete sobre desafios da docência e produção científica no ensino superior

Neste dia 15 de outubro, o Brasil celebra o Dia dos Professores, uma data dedicada a reconhecer o papel essencial de quem transforma conhecimento em desenvolvimento e inspira novas gerações a aprender e pensar criticamente. Para marcar a ocasião, a AMIES conversou com o professor Fernando Passos, chefe do Departamento de Ciências Jurídicas e coordenador do curso de Direito da Universidade de Araraquara (Uniara), referência na formação jurídica e na promoção da pesquisa científica.

Fernando Passos é mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e doutor em Biotecnologia pela Universidade de Araraquara (Uniara). Professor titular de direito empresarial, ele atua como pesquisador e docente no Programa de Pós-Graduação em Direito e Gestão de Conflitos e é o editor-chefe da Revista da AMIES, publicação que reunirá artigos científicos de importantes nomes do Brasil, a ser lançada em novembro. O tema desta edição será “Desafios Estruturais para o Desenvolvimento Econômico e Social do país pela Educação”.

Com uma trajetória marcada pela atuação acadêmica, pela dedicação à gestão educacional e pelo incentivo constante à produção intelectual, o professor Passos reflete sobre os desafios e responsabilidades dos professores no ensino superior, a importância da pesquisa para a qualidade do ensino, e a necessidade de ampliar os espaços de divulgação científica. Nesta entrevista, ele compartilha experiências, visões e propostas que reforçam a centralidade dos docentes na construção de um ensino superior cada vez mais comprometido com a excelência e com o futuro do país.

AMIES: O senhor coordena o curso de Direito da Uniara desde 2000. Pode contar brevemente quais foram os principais marcos e mudanças que o senhor liderou na graduação desde que assumiu a coordenação, e como essas alterações impactaram a formação dos estudantes?
Fernando Passos: Eu estou há exatos 25 anos e alguns meses na coordenação do curso de Direito da Uniara, um curso muito tradicional que já tem 55 anos. Nós fizemos muitas alterações da grade curricular e antecipamos muitas alterações que, depois, se tornaram obrigatórias por mudanças nas diretrizes curriculares. Como eu sempre participei de todos esses debates, quando o assunto era bom, eu não esperava mudar a diretriz. Eu já trazia para o Núcleo Docente Estruturante, para o Colegiado de Curso e nós fazíamos essas alterações. Isso gerou, realmente, um impacto muito grande na formação dos estudantes, na conscientização dos direitos humanos e os direitos de tantas gerações – porque antes eram quatro gerações e hoje já se fala em quinta geração – e, realmente, é um trabalho do qual a gente se orgulha. Mas é um trabalho em equipe. Eu apenas coordeno uma equipe competente.

AMIES: Quais práticas administrativas e institucionais o senhor considera essenciais para que a pesquisa permeie o currículo e beneficie o ensino?
Fernando Passos: Essa é uma questão muito complexa, porque nós temos duas hipóteses. A hipótese da transmissão do conhecimento, que é uma parte fundamental. Se você não transmite o conhecimento, como que você vai ser um bom professor? Como que você vai mudar vidas? Mas a transmissão do conhecimento não é uma questão que se resolve por si mesma, porque você transmite conhecimento melhor quando ele está atualizado e ele vai estar atualizado se você desenvolver pesquisas. Então, é preciso ter um fomento de pesquisas para que o pesquisador esteja, no mínimo, aliado aos seus professores para transmitir o conhecimento novo e de ponta para os alunos.

AMIES: Na sua avaliação, quais são hoje os maiores desafios enfrentados pelos docentes do ensino superior para manter (e ampliar) a qualidade didática e científica no Brasil? Que políticas institucionais ou de formação docente o senhor considera prioritárias para superar esses desafios?
Fernando Passos: Os desafios passam pela mudança de geração. Hoje o ensino tecnológico é muito importante, e principalmente no mundo do Direito. O curso é talvez o mais tradicional de todos os ramos, ainda com aulas muito expositivas e muito distantes da realidade dos alunos. Então, é necessário usar novas tecnologias e novas metodologias também. Percebemos também que o aluno tem vindo, nessa geração atual, ainda muito mal formado pelo ensino médio. Então, é preciso fazer adaptações, como o ensino de português no primeiro ano, além de atualidades. Eu estou falando a nível nacional. Não estou falando para nichos de mercado, onde isso talvez não seja necessário. Por exemplo, nós temos uma disciplina agora, no primeiro ano, que se chama Globalização e Economia, mostrando para o aluno aquilo que passa nos jornais todos os dias. Como os alunos hoje não têm mais lido jornal, a gente faz pesquisa sobre isso, então o professor precisa atualizá-lo, para o aluno entender o que ele vê quando recebe um WhatsApp, o que é fake, o que não é fake, etc. Assim, temos implementados várias disciplinas de atualidades jurídicas, por exemplo.

AMIES: Como o senhor enxerga o papel da pesquisa científica na formação dos futuros bacharéis em Direito e advogados? Pode dar exemplos de como projetos de pesquisa ou supervisão de TCCs na Uniara contribuíram para a empregabilidade e a capacidade crítica dos formandos?”
Fernando Passos: Quem participa dos projetos de iniciação científica sempre sai na frente. É muito difícil que um aluno que participou da iniciação científica, obteve orientação, não passe inclusive já no primeiro tentativa no Exame de Ordem, embora essa não seja a minha meta. Hoje, nós temos um índice de mais de 50% de aprovação de alunos que prestam o Exame no final do quarto ano. Mas com certeza, esse é um tema que ainda é pobre no ensino superior de graduação: a participação em projetos de iniciação científica. Principalmente porque não há recursos para remunerar essas pesquisas. Por isso, a gente reforça um pouco pelos TCCs. Hoje, há empresas e sociedade de advocacia que pedem o TCC para verificar a qualidade do trabalho do aluno. Percebemos que a iniciação científica, portanto, melhora muito a capacidade crítica do estudantes.

AMIES: A divulgação da produção científica costuma ficar restrita a ambientes acadêmicos. Que medidas concretas as instituições de ensino superior devem adotar para ampliar os espaços de divulgação – tanto para a comunidade acadêmica quanto para a sociedade civil e atores do mercado?
Fernando Passos: Realmente, a produção científica fica muito restrita ao meio acadêmico, o que é um grande erro. Na Uniara, inclusive, criamos a Revista do Mestrado e estamos incentivando também os alunos de graduação a escreverem artigos com pesquisadores do mestrado. Isso tem sido uma coisa muito rica. Sempre com devida orientação, estamos criando vários mecanismos de expansão dos resultados da pesquisa, com divulgação ampla. Isso é essencial, porque se ficar restrito ao meio acadêmico, não adianta. No nosso Mestrado Profissional em Direito, toda dissertação tem um produto técnico, para a melhoria do ambiente da profissão, sempre visando a desjudicialização de conflitos. Então, nós temos várias instruções normativas, por exemplo, que mandamos ao CNJ [Conselho Nacional de Justiça] e aos setores competentes, como as corregedorias, para melhorarem ambientes internos ou para todo o país. Eu próprio fiz uma pesquisa sobre a questão do sandbox regulatório da Anvisa e a Anvisa está discutindo isso agora. A nossa tese já vai para lá, para que tenha uma amplitude nessa discussão.

AMIES: Qual a importância de publicações como a Revista da AMIES neste contexto de ampliação de espaços para estudos científicos?
Fernando Passos: A importância essencial da Revista da AMIES é realmente difundir as pesquisas que nossas instituições realizam, tendo em vista a importância social e científica das mesmas.

AMIES: Pensando nos próximos cinco a dez anos, que transformação institucional o senhor acredita que deve ser implantada no sistema de ensino jurídico brasileiro para fortalecer a integração entre ensino, pesquisa e extensão? Que sugestão prática o senhor daria a coordenadores de outros cursos que queiram reforçar a qualidade acadêmica e a presença social da pesquisa?
Fernando Passos: Em primeiro lugar, essa questão da presença social já tem sido muito difundida, porque, hoje em dia, quase toda pesquisa procura estar dentro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU [Organização das Nações Unidas]. Mas é preciso levar também o pesquisador para a rua, para que ele conheça o ambiente. A pesquisa precisa transformar-se em realidade. Então, realmente, é preciso ter uma orientação mais voltada para que a pesquisa fortaleça a extensão e também chegue até a população. Por exemplo, agora, nós editamos o nosso tradicional programa de rádio e televisão, para a Rádio Educativa da Uniara e a Televisão Educativa da Uniara. Então, as grandes conclusões das pesquisas vão sendo trabalhadas pelos professores nesses programas semanalmente. Então, essa é uma iniciativa importante de integração entre a produção acadêmica e a comunidade.

Foto: Divulgação