A Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior (AMIES) protocolou, no Supremo Tribunal Federal (STF), uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), com pedido de medida cautelar, questionando a atuação de Instituições de Ensino Superior municipais que, de forma inconstitucional e ilegal, vêm ofertando cursos de medicina com cobrança de mensalidades, fora de seus municípios-sede e sem supervisão do Ministério da Educação (MEC). A ADPF 1247 será relatada pelo ministro Flávio Dino.
A ação destaca que tais práticas contrariam diretamente preceitos fundamentais da Constituição Federal, como a gratuidade do ensino público, a competência privativa da União para legislar sobre educação e os critérios de autorização e avaliação de qualidade dos cursos, além de comprometerem a coordenação nacional da formação médica vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo da AMIES é prevenir que essas violações continuem a ocorrer e, inclusive, se proliferem no país.
A situação já havia sido exposta pela AMIES, em junho, durante audiência pública sobre acesso, permanência, conclusão e qualidade na graduação, na comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o novo Plano Nacional de Educação. Na ocasião, o consultor jurídico da AMIES, Esmeraldo Malheiros, alertou sobre a atuação das IES municipais. “A regra da gratuidade é um princípio constitucional e alcança todas as instituições públicas. Há uma exceção prevista no artigo 242 da Constituição àquelas instituições estaduais e municipais existentes à época da promulgação da Constituição. Ou seja, elas podem, públicas, cobrar mensalidades. Mas o que nós temos visto hoje é que diversas instituições, especialmente municipais, têm atuado em desacordo com essa regra de exceção”, pontuou.
Malheiros citou casos de instituições municipais que criaram cursos de medicina por ato próprio, sem passar pelo crivo do Ministério da Educação nem cumprir a Lei do Mais Médicos, e passaram a ofertar a graduação não apenas no município, mas também em outros municípios e até em outras Unidades da Federação. “Elas ofertam cursos de medicina cobrando mensalidades, atuando como se privadas fossem, e se beneficiando inclusive de um regime tributário mais favorável. Elas concorrem, obviamente, com as instituições privadas, que integram o sistema federal de ensino e que são fiscalizadas pelo Ministério da Educação, que têm que cumprir os preceitos da Lei do Mais Médicos, que exige contrapartida e avaliação de qualidade pelo Inep”, explicou.
Hibridismo institucional e concorrência desleal
Para a AMIES, o que se observa é a consolidação de um modelo de atuação híbrido e irregular, no qual instituições públicas municipais agem como se privadas fossem: cobram mensalidades, expandem a oferta para outros territórios e não seguem as normas do sistema federal de ensino, configurando violação direta à jurisprudência do próprio STF – notadamente os precedentes da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2.501 e da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 81.
Essas IES municipais, ao se beneficiarem de um regime tributário e regulatório diferenciado, acabam por praticar concorrência desleal com as instituições privadas legalmente submetidas ao sistema federal.
Além disso, essas instituições atuam em desconformidade com a Constituição Federal (em diversos artigos); a Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional); a Lei 12.871/2013 (Lei do Mais Médicos); e o Decreto 9.235/2017, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das IES e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema federal de ensino.
Entre os casos mencionados na ação, destacam-se o da Universidade de Taubaté (Unitau), em São Paulo; do Centro Universitário de Mineiros (Unifimes) e da Universidade de Rio Verde (UniRV), em Goiás. Em comum, essas instituições oferecem cursos pagos de medicina em cidades diversas de seus municípios-sede, sem autorização federal e com base apenas em atos de sua direção e pareceres dos respectivos conselhos estaduais de educação.
“Tal prática representa uma fraude institucional à Constituição Federal, pois combina elementos de natureza privada, como a cobrança de mensalidades e exploração da educação superior fora do território municipal; com o uso indevido da prerrogativa pública de integrar o sistema estadual ou municipal de ensino, inclusive se beneficiando de um regime tributário diferenciado, que resulta em concorrência desleal”, salienta a AMIES, na ADPF.
Defesa da legalidade e da qualidade
Ao acionar o STF, a AMIES reforça seu compromisso com a legalidade, a qualidade da formação médica e a isonomia regulatória no ensino superior brasileiro. A entidade representa instituições privadas de capital fechado que atuam dentro do sistema federal de ensino e realizam altos investimentos para atender às exigências regulatórias, incluindo a participação em chamamentos públicos para a criação de cursos de medicina.
“O cumprimento da legislação por todos os agentes do setor é fundamental para garantir o princípio da isonomia, que é a base da igualdade perante a lei. Para que esse princípio seja efetivo, é necessário que a legislação seja aplicada de maneira uniforme e imparcial a todos os agentes e instituições que atuam no setor, inclusive para fins de garantir o equilíbrio do mercado”, afirma a AMIES, no documento.
A entidade aguarda a apreciação da ADPF pelo Supremo, confiando na atuação da Corte para restabelecer a segurança jurídica, o respeito à Constituição e a equidade no setor da educação superior.
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A consultoria jurídica da AMIES está à disposição para prestar mais esclarecimentos sobre a ADPF. O advogado Esmeraldo Malheiros é especialista em direito educacional com ampla atuação na esfera pública, administrativa e judicial, no âmbito da regulação e da supervisão do ensino superior. Mais informações pelo e-mail contato@esmeraldomalheiros.com.br.
