A proposta de exigir a aprovação em um exame nacional de proficiência para o registro profissional de médicos foi tema de audiência pública na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado. Embora tenha havido consenso entre os participantes sobre a necessidade de avaliar a qualidade da formação médica, houve discordância quanto ao modelo proposto, especialmente sobre a atribuição da organização e aplicação da prova ao Conselho Federal de Medicina (CFM) e aos conselhos regionais.
De acordo com o PL 2.294/2024, do senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), os médicos só poderão se registrar no Conselho Regional de Medicina (CRM) se forem aprovados no Exame Nacional de Proficiência em Medicina. Serão dispensados quem já estiver inscrito no CRM e os estudantes de medicina que ingressaram no curso antes da vigência da nova lei.
O diretor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Faceres), Toufic Anbar Neto, que é associado da AMIES, participou da audiência e ressaltou que a maior preocupação deve ser como aferir a competência clínica real do futuro médico. “Peço que imaginem a seguinte cena: eu entrego a um estudante o manual de uma bicicleta. Ele estuda o manual, decora, faz a prova e tira 10. Eu lhe dou a bicicleta para pedalar. Ele vai conseguir pedalar? Provavelmente não. Na mesma linha, eu peço que se lembre como é que se obtem uma carteira de motorista, a CNH. Você faz a prova teórica e faz a prova prática com o examinador ao seu lado no veículo. A medicina é muito mais exigente do que esses exemplos. Não basta saber, é preciso saber fazer e saber ser. É por isso que uma prova teórica em uma única edição não captura o que verdadeiramente importa para a segurança do paciente e para a qualidade do cuidado”, pontuou.
Toufic Anbar Neto também destacou que não se pode subestimar o tamanho, o custo e a complexidade técnica de um exame de proficiência médica. “Uma prova teórica só mede o conhecimento. Ela não mede a destreza para realizar procedimentos, nem o componente atitudinal, que sustenta a prática clínica diária. Por que um mega exame prático nacional é inviável? Se quisermos avaliar habilidades e atitudes com honestidade, falamos de estruturas como estações clínicas padronizadas, pacientes padronizados, examinadores treinados, rubricas calibradas, controle de qualidade, análise psicométrica”.
Ele também questionou a competência do CFM e conselhos regionais para aplicar o exame. “Conselhos profissionais têm papel essencial de fiscalizar o exercício ético da profissão. Já o desenho e execução de avaliações educacionais em larga escala demandam banco de itens, estações, pré-testes, calibração, análise psicométrica. Isso tudo sob o olhar de uma auditoria independente. Assumir a responsabilidade por um exame e terceirizar seu núcleo técnico não resolve o problema. Pelo contrário, cria zonas cinzentas de responsabilidade e transparência. Exame de alto impacto exige padrões públicos, métricas claras, mapa de pergunta, definição de desempenho por métodos reconhecidos e prestação de contas sobre validade e confiabilidade”, destacou.
Para o médico e diretor da Faceres, o caminho viável seria “o teste de progresso seriado, feito por quem é do ramo, com matriz clínica robusta, mapa de prova e corte definido por um método reconhecido. Além do pilar prático descentralizado com auditoria externa, avaliação clínica aplicada nas escolas, sob padrão nacional e auditorias independentes, para garantir comparabilidade”. “Não tememos exames difíceis. O nosso receio é exame malfeito, caro, instável e injusto, que coloca em risco o futuro do recém-formado sem melhorar a vida do paciente”, concluiu.
Audiência Pública
Na ocasião, outras críticas e questionamentos sobre o projeto foram feitos. A presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Denise Pires de Carvalho, criticou o projeto. Para ela, decisões sobre o futuro dos estudantes não podem ser baseadas em uma prova simples, especialmente se aplicada por entidades de classe, como propõe o projeto. “Essa prova teria questões ideologizadas? Qual seria a resposta correta, caso a entidade de classe perguntasse aos recém-formados sobre a conduta em relação às vacinas? Vimos essas entidades serem contra a vacinação e tomarem atitudes anticiência”, questionou.
Para a presidente do Conselho Deliberativo da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), Elizabeth Regina Nunes Guedes, a responsabilidade pela avaliação da formação médica não deve ser transferida para os conselhos profissionais, que não têm competência legal nem estrutura adequada para essa função. A mesma opinião foi expressada pelo secretário-executivo da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), Rodrigo Cariri. “Acho que caminhamos para a construção de alguns consensos de que, de fato, é preciso fazer alguma avaliação. Ninguém discute isso. A questão está entre quem vai fazer e quais são os seus propósitos”, afirmou.
Também participaram da audiência pública o professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Gonzalo Vecina Neto e o presidente da Associação Paulista de Medicina (APM), Antonio José Gonçalves.
Com informações da Agência Senado.
Foto: Carlos Moura/Agência Senado
